21 de junho de 2024
Os crimes contra a honra ocorrem quando as ofensas ultrapassam os limites toleráveis, extrapolando o mero desentendimento entre as partes e excedendo o direito de liberdade de expressão, atingindo assim a honra e o íntimo da vítima.
Xingamentos, maldizeres, imputações criminosas ou desabonatórias realizadas de maneira direta ou indireta (terceiros, grupos de redes sociais, postagens públicas) à vítima, poderão, em tese, configurar os crimes de CALÚNIA (art. 138, CP), DIFAMAÇÃO (art. 139, CP) E INJÚRIA (art. 140, CP).
Primeiramente, é importante fazer distinção entre os três tipos penais:
· CALÚNIA - Art. 138, Código Penal – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
A calúnia ocorre quando há falsa imputação de prática criminosa por alguém, sendo essa prática criminosa inexistente ou não realizada pela pessoa que está sendo “acusada”. Nesse tipo penal, a honra objetiva da vítima é protegida, não só perante si mesma, mas também perante terceiros.
Em resumo, a calúnia ocorre quando há imputação de fato criminoso falso e determinado.
Para fins elucidativos, invoca-se os saberes do professor Guilherme de Souza Nucci: “Caluniar é fazer uma acusação falsa, tirando a credibilidade de uma pessoa no seio social”. Continua o mestre: “o Código Penal exige que a acusação falsa realizada diga respeito a um fato definido como crime”. Aduz ainda que “a calúnia nada mais é do que uma difamação qualificada, ou seja, uma espécie de difamação. Atinge a honra objetiva da pessoa, atribuindo lhe o agente um fato desairoso, no caso particular, um fato falso definido como crime”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 14ª ed. São Paulo: Forense, 2014, pág. 745). - grifei
Exemplo 1: Postagem online com nome e foto de pessoa alegando ser ela roubadora de determinado item. “O fulano desta foto roubou a bicicleta da minha irmã ontem, se alguém o vir, me comunique”.
Exemplo 2: “Fulano deu um tapa na cara do irmão dentro do carro depois que saímos da igreja”.
Exemplo 3: “A conselheira fiscal da empresa deixou de fazer os pagamentos do ICMS nos meses de maio a julho desse ano, embolsou todo o valor”.
Por fim, aponta-se que, caso o acusado de caluniar tenha provas de que os fatos são realmente verdadeiros, pode apresentar defesa judicial através de procedimento criminal chamado “exceção da verdade”.
· DIFAMAÇÃO - Art. 139, Código Penal - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Assim como no crime de calúnia, o bem jurídico tutelado neste tipo penal é a honra objetiva, isto é, a imagem ou reputação que a vítima (sujeito passivo) possui perante as outras pessoas, independentemente de o fato ser verdadeiro ou falso. A observância nesse tipo penal é quanto a intenção do difamador, ou seja, se há ou não dolo.
Exemplo 1: Fulano não é boa pessoa, deixou de pagar os meses de janeiro e fevereiro desse ano de pensão alimentícia para o filho
Exemplo 2: Ciclana trai o marido todas as quintas feiras à noite enquanto esse está de plantão
Observação: empresas podem ser vítimas do crime de difamação, pois sua reputação e credibilidade são passiveis de abalo e refletem diretamente no âmbito econômico da pessoa jurídica.
Exemplo 3: jurisprudência inerente ao Tribunal de Justiça de São Paulo:
AÇÃO PENAL PRIVADA. CRIMES CONTRA A HONRA. DELITO DE DIFAMAÇÃO. RECURSO. Preliminares não acolhidas. Queixa-crime que preenche os requisitos formais do artigo 41 do Código de Processo Penal. Pessoa Jurídica pode ser sujeito passivo de delito de difamação. Honra objetiva afetada pela conduta do querelado. Animus difamandi, e não animus criticandi. Fato típico, antijurídico e culpável. Pena bem fixada. Fato desonroso imputado por meio de rede social, facilitando a divulgação. Artigo 55 Lei n.º 9.099/95. Princípio da causalidade. Condenação do apelante à sucumbência e honorários advocatícios. Manutenção do julgado nos exatos termos em que proferido. Apelo desprovido. (TJ-SP - APR: 10011268820188260050 SP 1001126-88.2018.8.26.0050, Relator: Nidea Rita Coltro Sorci, Data de Julgamento: 18/06/2020, 1ª Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: 18/06/2020) - grifei
· INJURIA - Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa
O crime de injúria busca tutelar a honra subjetiva do ofendido, ou seja, sua autoestima, dignidade e decoro. As assertivas inerentes à injuria são genéricas e não consideram fatos específicos, se referem a afirmações vagas e depreciativas feitas à vítima.
Ofensa aos atributos físicos, morais, psicológicos, sociais, intelectuais e outros da vítima que demonstre desprezo, escárnio, sátira, ludibrio, ou seja, “xingamentos”.
Exemplo 1: Fulano é um “bost*”, “filha da put*”.
Exemplo 2: “Feia”, “gordo”, “idiota”
Exemplo 3: Ciclano é ladrão e corrupto
Exemplo 4: Mostrar o dedo do meio
Exemplo 5: jurisprudência inerente ao Tribunal de Justiça de São Paulo:
APELAÇÃO CRIMINAL. Injúria. Sentença condenatória. Defesa pretende absolvição. Almeja, ainda, o afastamento da indenização fixada em favor do apelado. Impossibilidade. Condenação de rigor. Versão da vítima encontra respaldo nas provas constantes nos autos. Evidente a intenção de ofender a honra do ofendido. Materialidade e autoria suficientemente comprovadas. Mantido o decreto condenatório. Dosimetria não comporta reparos. Pena fixada no mínimo. Valor de reparação por dano moral justo e proporcional ao caso em comento. Recurso improvido. (TJ-SP - APR: 10005222020198260333 SP 1000522-20.2019.8.26.0333, Relator: Andrade Sampaio, Data de Julgamento: 10/11/2021, 1ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 10/11/2021) - grifei
> DISPOSIÇÕES GERAIS
É importante apontar que nos crimes de calúnia e difamação, as afirmações específicas quanto a fato determinado são exigidas. Já quanto a injúria, as assertivas são realizadas de maneira vaga e genérica.
A vítima tem até SEIS MESES para acionar seu ofensor na justiça, sob pena de decadência. A data de início do prazo decadencial se dá a partir da data em que a vítima toma conhecimento de quem é seu ofensor.
Os crimes contra a honra, em regra, são processados através de Ação Penal Privada mediante Queixa-Crime. Não é obrigatório que se tenha Boletim de Ocorrência para que a vítima se socorra do judiciário.
É importante salientar que algumas situações específicas trazem aplicações legais especiais, como quando o crime é cometido em razões de cargo/função pública, gênero, idade ou raça/etnia.
Em todas as situações inerentes aos crimes contra honra, seja na condição de vítima ou de autor/acusado, a atuação de advogada especialista na área criminal certamente fará diferença para o desenrolar do caso.
Jéssica Nozé, advogada especialista em Processo Penal e Ciências Criminais.