11 de setembro de 2024
O tipo penal de Falsidade Ideológica admite três modalidades de conduta para a consolidação da prática criminosa (i) omitir (ii) inserir ou (iii) fazer com que seja inserida, em documento público ou particular, declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita.
Falsidade ideológica
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante
O crime é “formal” e de perigo abstrato, ou seja, não precisa de fato lesar vítima alguma, a mera prática já gera agressão ao bem jurídico tutelado, que, no caso em tela, é a fé pública.
Nas palavras do professor Bitencourt, “a falsidade material altera o aspecto formal do documento, construindo um novo ou alterando o verdadeiro” [1], ou seja, no crime de falsidade ideológica a grande problemática envolve o CONTEÚDO do documento e não a forma física.
Contudo, apesar do tipo penal não exigir resultado material quanto a prática delitiva, é preciso que a declaração falsa/omitida/alterada tenha POTENCIALIDADE LESIVA, no sentido de que seja capaz a de fato prejudicar direitos ou alterar a verdade de fatos juridicamente relevantes.
Exemplo de possível falta de potencialidade lesiva: apresentação de matrícula de imóvel que não possui registro e certificação cartorária.
Cabe trazer as seguintes discussões:
> DOCUMENTO MATERIALMENTE VERDADEIRO, porém, com conteúdo falso: neste cenário, o documento em si, materialmente, é verdadeiro, contudo, os dados que estão inseridos nele, são falsos. (ideologicamente falso)
Exemplo 1: paciente que após consulta médica adultera data no atestado de afastamento médico;
Exemplo 2: Dados falsos no contrato social da empresa e alterações societárias (dados esses que alteram o andamento de execuções fiscais);
Exemplo 3: Inserção de informações falsas em documentos relativos a jornada de trabalho em órgão público (“funcionário fantasma”);
Exemplo 4: Declaração falsa à Policia Federal para obtenção de passaporte ou arma de fogo
> DOCUMENTO MATERIALMENTE FALSO e com conteúdo falso: neste cenário tanto o documento quanto as informações contidas nele são falsas. O crime de uso de documento falso é contemplado pelo tipo penal exposto no artigo 304 do Código Penal, contudo, pelo princípio da absorção, o debate se concentra na falsidade do conteúdo apresentado.
Observações gerais:
Quanto às penas, são de “reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular”.
O legislador trouxe maior reprovação quanto a falsidade de informações quanto à documentos públicos, porque estes possuem lastro de idoneidade maior do que o de documentos particulares.
Ainda, no parágrafo único do artigo, consta que “se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte”, indicando que a reprovabilidade é ainda maior quando a prática delitiva se dá por pessoa que exercia função pública e a utilizou para a facilitação da falsificação.
A fabricação, falsificação e uso de documentos falsos são apurados por outros tipos penais, também constante no capitulo III do Código Penal, “Da Falsidade Documental”, mas não foram abordados neste artigo para que o enfoque maior seja quanto à FALSIDADE IDEOLOGICA.
Oportunamente, em razão da época de eleições, faço o seguinte recorte:
FALSIDADE IDEOLOGICA ELEITORAL – ARTIGO 350 da Lei 4.737/65
No âmbito eleitoral, a falsidade ideológica está prevista no capitulo "Dos Crimes" do Código Eleitoral Brasileiro, vejamos:
Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:
Art. 351. Equipara-se a documento (348,349 e 350) para os efeitos penais, a fotografia, o filme cinematográfico, o disco fonográfico ou fita de ditafone a que se incorpore declaração ou imagem destinada à prova de fato juridicamente relevante.
Cabe elencar que essa infração eleitoral é processada através de ação pública, ou seja, via Promotor de Justiça, sendo que todo cidadão que tiver conhecimento da referida transgressão deverá comunicá-la às autoridades (polícia, ministério público ou justiça eleitoral), nos termos dos artigos 355 e 356 do Código Eleitoral.
Exemplo 1: omissão de doações realizadas à campanha do candidato/partido, comumente conhecida por “caixa dois”.
Exemplo 2: omitir informação no Cadastro Nacional de Eleitores para poder votar
Exemplo 3: alteração de declaração na receita que deveria constar da prestação de contas da campanha
Em todos os cenários que possam envolver FALSIDADE IDEOLÓGICA é de extrema importância a atuação de advogada especialista na área criminal, seja para denuncia ou para defesa.
Jéssica Nozé, advogada especialista em Processo Penal e Ciências Criminais.