31 de dezembro de 1969
A violência de gênero contempla a visão de que há certa predeterminação social nos papeis feminino e masculino. Os papeis são divididos em códigos de conduta, modelos de comportamento e cultura, sendo que há grave disparidade e desproporção no equilíbrio de poder entre os sexos ao que, a violência é utilizada como instrumento social de agressão/imposição/submissão do homem contra a mulher.
A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) aponta as violências física, psicológica, sexual, moral e patrimonial como parâmetro de vulnerabilidade da mulher em razão de gênero, as agressões externas ou até mesmo no âmbito mental são mais exploradas midiaticamente do que a questão financeira.
O objetivo deste artigo é meramente informativo quanto à temática Violência Patrimonial contra a mulher, visto que, apesar de ser muito frequente no dia a dia das relações íntimas de afeto, esta é pouco falada e é tecnicamente mais delicada quanto ao respaldo probatório.
A sociedade em geral ainda vê como um tabu enorme a figura da mulher bem-sucedida, da mulher que se posiciona tecnicamente no âmbito do trabalho e que gere suas próprias finanças visto que recebe seu próprio salário, colocando-a como “autossuficiente de maneira geral”, “durona”, “muito segura de si”, "não precisa de ninguém”, quase tirando dela o direito às vulnerabilidades inerentes à quaisquer seres humanos. Se a mulher recebe seu salário em maior quantia que o homem, tem-se que ela automaticamente é a “parte dominante” da relação, o que não é verdade, frente às questões de gênero estruturais da sociedade.
A Lei Maria da Penha aponta que é vítima de violência patrimonial a mulher que sofre “retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”. (artigo, 7º, inciso IV, Lei 11.340/2006)
A violência no âmbito financeiro vai muito além da falta de pagamento de pensão alimentícia para mulher que não possui meios necessários para o seu sustento imediato em razão da relação abusiva que viveu, ou cenários em que o homem, provedor do lar, repassa a conta gotas o valor necessário para a manutenção da morada do casal, obrigando-a a implorar para que ele forneça quantias básicas para alimentação e limpeza do local.
Negócios familiares, comércios em que as funções são realizadas entre o núcleo familiar e até mesmo grandes empresas em que o maior número de quota social se encontra entre parentes, podem ser cenário para a concretização de violência no âmbito patrimonial.
Para fins didáticos e para melhor ilustração do cenário, destrincha-se com exemplos o artigo 7º, inciso IV, da Lei 11.340/2006:
Retenção: proibição da mulher exercer sua função como sócia, funcionária, coproprietária do local, trancar o financeiro para mulher não entrar/ter acesso às contas do negócio; esconder o livro da contabilidade da empresa para que a mulher não tenha acesso, tomar o celular, computador ou notebook da mulher;
Subtração: diminuição de quotas sociais sem assembleia pública, retirada de lucro sem autorização da mulher e demais sócios, compras pessoais com valores do comércio em que a mulher impendeu forças para construir, ocultação de patrimônio;
Destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalhos ou documentos pessoais: quebrar, danificar, estragar, esconder itens que são essenciais para o trabalho da mulher, empresária que se vê privada do notebook da empresa porque o ex-companheiro o quebrou, vendedora que tem os pneus do carro rasgado para que não possa sair de casa para realizar vendas;
Destruição de documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos: mulher que se vê compelida a usar todo seu rendimento ou grande parte dele às despesas pessoais do companheiro, o homem controla o salário recebido pela mulher, utiliza-se do nome dela para realizar aquisições, compras, fusões e outras negociações para que o nome dele continue “limpo”, realiza negócios em nome da mulher sem a anuência desta.
Os apontamentos realizados acima são apenas exemplos das diversas maneiras em que pode a mulher ser vitimada no âmbito da violência patrimonial em razão da perspectiva de gênero. Inclusive, os crimes mais comuns presentes em um cenário de violência patrimonial são: Furto (artigo 155, Código Penal), Roubo (artigo 157, Código Penal), Supressão de Documento (artigo 305, Código Penal) e Dano (artigo 163, Código Penal).
A mulher vítima de violência patrimonial, muita das vezes, não percebe o abuso econômico que sofreu até que o cenário se agrave, seja pelo cometimento de outras violências (normalmente a psicológica – dano emocional, manipulações, ameaças, isolamento, vigilância constante, perseguição e moral – xingamentos, humilhações, injuria, calúnia ou difamações) seja pelo montante de dívidas realizadas ou pela privação/esgotamento de valores. É muito comum que o agressor se sinta legitimado a “tomar conta” do patrimônio, das finanças e do salário da mulher, pelo simples fato de ser o “homem da relação”.
A maior dificuldade de diagnóstico desse tipo de violência está principalmente na percepção da mulher quanto à condição de vítima, especialmente pelas questões sociais e de disparidade de gênero (machismo estrutural) já que a mulher “ideal” a ser vitimizada é aquela submissa e obediente, ao que, a mulher bem-sucedida, forte e mais segura de si, em tese, não pode ser tida como vulnerável, como vítima, o que não é verdade.
Nós temos exemplos de mulheres públicas extremamente fortes e determinadas que infelizmente se viram vitimadas no âmbito patrimonial com a perspectiva de gênero, a atriz Larissa Manoela (os pais a privavam de aproveitar seus próprios ganhos), a apresentadora e modelo Ana Hickman (as dívidas do casal eram majoritariamente realizadas em nome da mulher, inclusive esta só tomando conhecimento de algumas dívidas por conta do divórcio, visto que foram realizadas em seu nome e sem sua anuência) e a cantora Naiara Azevedo (deixava o esposo como responsável pelo dinheiro do casal e do trabalho dela e este não realizava o repasse a ela), são exemplos de mulheres capacitadas profissionalmente e intelectualmente mas que infelizmente se viram na condição de vítima de violência doméstica.
Nesse sentido, impende apontar que a vítima de violência doméstica não tem perfil exato, ou seja, independentemente da classe social, da raça, do credo ou da condição financeira, a mulher pode se ver vitimada por quem tanto ama e/ou por quem possui forte vínculo de afeto.
É importante destacar que as provas em relações a esses abusos econômico precisam ser robustas: fotos, imagens, extratos financeiros, extratos contábeis, documentos inerentes à constituição da empresa, distribuição de lucros ou de quotas sociais e até mesmo testemunhas são meios que apontam a veracidade na palavra da mulher.
Nesse cenário, a mulher que se vê vitimada quanto à violência patrimonial também pode requerer Medidas Protetivas de Urgência à Justiça nos termos do artigo 18 e seguintes da Lei Maria da Penha, buscando não só sua proteção física e psicológica, mas também objetivando que aquele abuso no âmbito financeiro seja cessado de maneira urgente. O juiz tem o prazo de 48 (quarenta e oito) horas após receber o expediente para decidir quanto a concessão ou a negativa sobre as Medidas Protetivas.
Se houver sinal de violência patrimonial contra a mulher, a autoridade pode determinar à título de urgência: restituição dos valores, bens e recursos que estão em posse do agressor, proibição temporária de realização de negócios em comum do casal, suspensão temporária de procuração que a vítima tenha outorgado em nome do agressor, pagamento temporário de pensão alimentícia para a vítima, entre outros.
A violência patrimonial, assim como qualquer outra violência praticada contra a mulher, pode ser denunciada de diversas maneiras:
· Disque 180
· Realização de Boletim de Ocorrência junto a Polícia Civil
· Registro de Notícia de Fato junto ao Ministério Público
· Acionamento direto da Justiça via petição judicial
· Ligação para Polícia Militar, 190
· Consultar com advogada criminalista especializada
Tanto a vítima quanto o investigado por violência doméstica precisam estar bem assistidos juridicamente com o acompanhamento de advogada especializada na área criminal, buscando a preservação da intimidade das partes e fornecendo o auxílio e atuação técnica jurídica necessária para o caso, seja em sede de Polícia ou da Justiça. Busque segurança.
Jéssica Nozé, advogada especialista em Processo Penal e Ciências Criminais.
Site: https://www.jessicanoze.com/
Instagram: https://www.instagram.com/jessicanozeadv/
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/violencia-patrimonial-contra-a-mulher-nos-termos-da-lei-maria-da-penha-11340-2006-o-que-e-exemplos-consequencias-e-como-agir/2078693222?_gl=1*1vk8fqy*_ga*MTk1NDMwOTYyLjE1OTQ3NDQ2NzE.*_ga_QCSXBQ8XPZ*MTcwNjcwNjgyOC4yNzIuMS4xNzA2NzA4ODU0LjYwLjAuMA..